Autarca de Kiev acusa Zelensky de "autoritarismo"

A Ucrânia “tresanda a autoritarismo” e as “instituições democráticas estão a ser subvertidas sob o pretexto da guerra“, acusa Vitali Klitschko, o ex-pugilista que ganhou notoriedade internacional por ser presidente da câmara de Kiev. A crítica de Klitschko tem um alvo claro: Volodymyr Zelensky, com quem se incompatibilizou publicamente há mais de um ano.
Klitschko, que se acredita poder ter ambições presidenciais (tentou candidatar-se, sem sucesso, em 2014), foi desautorizado recentemente por Zelensky quando este usou a lei marcial para nomear uma administração militar rival na capital, que, no fundo, retira poderes ao presidente da câmara.
“Um dia disse que havia um cheiro a autoritarismo no nosso país. Agora acho que o país tresanda a isso“, lamentou o ex-pugilista, que diz suspeitar que já teria sido demitido – como foram outros autarcas – se não fosse a sua notoriedade pública.
Citado pelo britânico The Times, que fez uma reportagem em Kiev, Klitschko afirma que a autarquia tem sido paralisada por “buscas, interrogatórios e ameaças de processos criminais inventados“. A pressão por parte do regime está a levar a que, em muitas situações, os funcionários da câmara não estejam disponíveis para participar em reuniões onde são tomadas decisões – o que leva a que essas decisões não se tomem por falta de quórum.
Klitschko já é um crítico de Zelensky, pelo menos, desde o final de 2023, quando afirmou que o Presidente estava a tornar-se “um autocrata”, com semelhanças com o homem que manda no Kremlin, Vladimir Putin. Mais recentemente, em fevereiro, o presidente da câmara de Kiev criticou Zelensky pela forma como estava a abordar o processo de negociação de paz e a relação com Trump.
“Klitschko é um grande atleta, mas não sabia que era um grande falador“, retorquiu Volodymyr Zelensky, que antes da carreira na política era ator de filmes e séries de comédia.
Muitos presidentes de câmara sentem-se intimidados, mas o meu estatuto de celebridade é uma proteção. Pode-se demitir o presidente da câmara de Chernihiv, mas é muito difícil demitir o presidente da câmara da capital, que o mundo inteiro conhece. É por isso que tudo está a ser feito para desacreditar e arruinar a minha reputação”, afirmou o presidente da câmara de Kiev, ao The Times.
Na origem do conflito entre os dois estão suspeitas de práticas de corrupção na capital, com a permissividade ou colaboração de funcionários da câmara liderada por Klitschko. Alguns dos conselheiros de Klitschko foram exonerados pelo departamento nacional anti-corrupção, numa operação chamada “Cidade Limpa”. Essa investigação expôs uma aparente corrupção generalizada sob a tutela do autarca — e sete dos seus subordinados já foram detidos, estando outros três sob investigação.
Um investigador independente, consultado pelo The Times, Volodymr Fesenko, considera que a disputa entre os dois é mais do que apenas luta política. “Há muito dinheiro em Kiev. Algumas empresas que apoiam o Presidente Zelensky gostariam de ter acesso aos fluxos financeiros em Kiev”, afirma Fesenko, que questiona as prioridades que parecem estar a ser seguidas.
“Durante a guerra, o dinheiro deveria ir principalmente para a defesa, para proteger o país, mas há imensa construção” imobiliária, disse Fesenko. “Em algumas outras cidades, até estádios estão a ser construídos. Em Donbass, há grandes projetos de parques urbanos. A linha da frente é próxima, e o dinheiro não está a ir para estruturas defensivas, mas para áreas verdes”, questiona o investigador, lembrando que alguns dos funcionários da câmara detidos terão cometido irregularidades na área dos licenciamentos.
O antigo “número 2” de Klitschko na câmara, Petro Olenych, foi acusado de aceitar subornos para ajudar jovens (mobilizados para o exército) a fugir do país. Outro alto responsável da câmara, Denys Komarnytskyi, ex-vereador, está sob investigação por suspeitas de peculato e fugiu para a Áustria.
Klitschko não esconde os problemas e garante que despediu oito dos funcionários investigados no âmbito da operação Cidade Limpa. “Tenho 4.500 funcionários só neste edifício e cerca de 300.000 funcionários a trabalhar para a cidade”, lembrou, acrescentado que “os casos de corrupção por vezes acontecem, mas reagimos com firmeza e rapidez. Cooperamos com as autoridades policiais, fornecemos todas as informações necessárias e esperamos uma investigação imparcial de todos os casos”.
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